Nutrição no Futebol


Nutrição no Futebol: Consensos da UEFA e Federação Portuguesa de Futebol


O futebol é um esporte majoritariamente dependente do metabolismo aeróbio, com distâncias percorridas de 9 a 12 quilômetros por partida (elite masculina), porém com ações decisivas dependentes do sistema ATP-CP, como saltos, chutes, disputas de bola, aceleração et cetera (TAYLOR et al., 2017). A intensidade é mitigada e a distância percorrida diminui entre 5 a 10% no segundo tempo em comparação ao primeiro (STØLEN et al., 2005).

A intensidade média fica em torno do 2o limiar para os 90 minutos de jogo (80-90% FCmax, ~75% VO₂max, para jogadores de elite), apresentando concentrações médias de lactato de 7 mmol/L e 2.5 mmol/L no primeiro e segundo tempos, respectivamente, e o gasto energético em torno de 1300 a 1600 kcal. Os jogadores de linha apresentam VO₂max entre 50 a 75 ml/Kg/min (COLLINS et al., 2021; STØLEN et al., 2005).

As distâncias percorridas em alta aceleração/velocidade (“sprinting“) ficam em torno de 117 a 1100 metros, divididas entre 7 a 61 ações por partida que percorrem aproximadamente 15 metros em 2 segundos cada uma (TAYLOR et al., 2017). Os sprints ocorrem a cada 90 segundos (STØLEN et al., 2005). 

As corridas em alta intensidade superam a distância percorrida em sprinting e ficam entre 220 a 1900 metros por partida, divididas entre 69 e 168 ações que duram de 1.3 a 4.4 segundos (TAYLOR et al., 2017). As corridas em alta intensidade são necessárias a cada 70 segundos (STØLEN et al., 2005).

As atividades em baixa intensidade perfazem, praticamente, todo o restante da distância percorrida durante os jogos(~70%; STØLEN et al., 2005).   

Dessa maneira, como pode ser observado através da distribuição das ações no tempo, o futebol é praticado com predominância do metabolismo oxidativo aeróbio de CHOs (intensidades próximas ao 2o limiar), seguido pela oxidação de lipídios (momentos de interrupção da partida/baixa intensidade), com uma moderada ativação do sistema anaeróbio lático (~7 mmol/L de lactato), nos casos de redução de intervalo entre ações de alta intensidade, e suas ações decisivas são de curta duração e dependentes do sistema ATP-CP.

Dessa forma, a alimentação pré-jogo deve ser pensada desde 48 horas antes da partida, pois após esse momento pode não ser possível repor completamente os estoques de glicogênio muscular. A quantidade de carboidrato (CHO) deve ficar em torno de 6-8 g/Kg/dia durante os dias precedentes. De toda forma, além da necessidade do CHO para o alto desempenho, há necessidade de outros nutrientes e substâncias. (ABREU et al., 2021; COLLINS et al., 2021).

O consumo excessivo de fibras e gorduras pode impactar o esvaziamento gástrico, a absorção de nutrientes e provocar desconforto gastrointestinal, e portanto deve ser monitorado. Para o consumo de fibras, sugere-se a utilização dos valores diários recomendados (VDR) de ingestão de 25 g/dia, podendo haver uma redução no dia de jogo. Tratando-se do consumo de gorduras, também sugere-se que seja seguido o VDR de 20-35% do total das calorias ingeridas, dando-se preferência às gorduras insaturadas, ricas em vitaminas e EPA/DHA (ABREU et al., 2021).

Com relação ao consumo de proteínas, esse deve ficar em torno de 1.6 g/Kg/dia. Para os micronutrientes, esses devem atender aos VDRs, priorizando frutas ricas em antioxidantes e vegetais (ABREU et al., 2021). 

No pré-jogo, os atletas devem realizar uma refeição rica em CHO (1.3 g/Kg) de 3 a 4 horas antes do início da partida (COLLINS eta al., 2021). Os CHO devem possuir diferentes índices glicêmicos e utilizar diferentes transportadores para otimizar e agilizar os estoques e oxidação dos CHO (GONZALEZ et al., 2017; ORMSBEE; BACH; BAUR, 20014). Essa refeição deve ser facilmente digerida para evitar desconforto gastrointestinal (recomenda-se não consumir grandes quantidades de fibras, gorduras e proteínas), devendo ser individualizada e treinada em momentos prévios à sua aplicação competitiva (COLLINS et al., 2021). Dessa forma, as refeições podem ser compostas por alimentos que sejam fontes de CHO, com baixo teor de gorduras e fibras como: batata doce, arroz branco, massa e mingau; e fontes de proteínas facilmente digeríveis, em quantidades abaixo de 0.4 g/Kg, como: peixes brancos e aves com baixo teor de gordura, claras de ovo;  evitando a ingestão excessiva de fibras, especialmente as insolúveis como: cereais integrais e pão de centeio (ABREU et al., 2021).

A hidratação deve ser monitorada para que os jogadores não estejam hipoidratados ao início da partida. Recomenda-se uma ingestão de 5-7 mL/Kg durante 2 a 4 horas antes do jogo, pois esse intervalo de tempo permitiria o esvaziamento gástrico antes do início do exercício (COLLINS et al., 2021).

Durante a partida, devem ser ingeridos de 30 a 60g de CHO por hora, ou seja, o consumo deve ser feito no pré-jogo, após o aquecimento, e durante o intervalo da partida. Outra estratégia plausível é a utilização de fluidos contendo CHO, seja para alcançar a quantidade estipulada de CHOs, seja para auxiliar na manutenção da hidratação, seja como enxágue bucal para obter os benefícios na percepção de esforço e fadiga. Dessa forma, podem ser disponibilizados isotônicos (concentrações de 20-50 mOsm/L de NA; contendo de 6-8% de glicose ou sacarose) e CHO de rápida absorção (géis, barras ou pedaços de frutas). Novamente, tais estratégias devem ser treinadas antes da implementação no cenário competitivo (ABREU et al., 2021; COLLINS et al., 2021). 

Com relação à hidratação, a recomendação é que os atletas bebam o suficiente para não perder mais que 2-3% do peso corporal pré-exercício durante o jogo (COLLINS, et al.,2021). Segundo o posicionamento do ACSM, bebidas com sódio e potássio (osmolalidade 20-30 mEq/L e 2-5 mEq/L, respectivamente) seriam úteis para a reposição dos eletrólitos perdidos através do suor (THOMAS; ERDMAN; BURKE, 2016).

No pós-jogo, a ingestão de CHO deve ser feita assim que possível para agilizar a reposição dos estoques de glicogênio, utilizando-se das mesmas estratégias dos transportadores (GONZALEZ et al., 2017; ORMSBEE; BACH; BAUR, 20014). Durante cada uma das primeiras 4 horas, recomenda-se uma ingestão de 1g/Kg de CHO de fácil digestão e rápida absorção. Os alimentos podem ser na forma sólida ou líquida (ABREU et al., 2021; COLLINS et al., 2021).

A ingestão de gordura deve ser minimizada para não atrapalhar o esvaziamento gástrico e a absorção de nutrientes (ABREU et al., 2021).

A reidratação deve ser feita na seguinte proporção: 1.5 L de fluidos para cada 1 Kg de peso perdido, com bebidas que possuam de 0.46-1.15 g de Na/L (ABREU et al., 2021).

Para otimizar a síntese proteica e auxiliar o processo de síntese de glicogênio, deve-se consumir uma quantidade de 20-25 g de proteína de alta qualidade a cada intervalo de 3-4 horas. Preferencialmente, devem ser utilizadas fontes de proteínas que possuam baixo teor de gordura e seja ricas em aminoácidos essenciais, incluindo 2.5-3.5 g de leucina, como por exemplo: peito de frango, clara de ovo, queijo branco, sardinha e shake de whey protein (ABREU, et al., 2021). Também existe um aparente benefício de se consumir 30-60 g de caseína antes de dormir para o aumento da síntese proteica (COLLINS et al., 2021).

Com relação a suplementação, é preciso ficar atento às possíveis contaminações com substâncias proibidas no controle de dopagem. Os suplementos geralmente usados são a creatina (3-5 g/dia; uso crônico; horário de administração indiferente; MAUGHAN et al., 2018; MIELGO-AYUSO et al., 2019a); e visando o aumento da função neuromuscular, do estado de alerta, da redução da percepção de esforço e da melhora da função cognitiva, pode ser usado cafeína (3-6 mg/Kg; uso agudo; administração de 30-60 minutos antes da partida; ABREU et al., 2021; MAUGHAN et al., 2018; MIELGO-AYUSO et al., 2019b). Outros suplementos como nitrato/suco de beterraba, beta-alanina e bicarbonato, não possuem fortes evidências ergogênicas para o cenário metabólico envolvido na prática do futebol (ABREU eta al., 2021; COLLINS et al., 2021). Entretanto, tais suplementos poderiam ser utilizados em dias de treinos com alta participação do sistema glicolítico, como por exemplo em treinos de sprints repetidos.

Referência

ABREU, Rodrigo et al. Portuguese Football Federation consensus statement 2020: nutrition and performance in football. BMJ Open Sport & Exercise Medicine, v. 7, n. 3, p. e001082, 2021.

COLLINS, James et al. UEFA expert group statement on nutrition in elite football. Current evidence to inform practical recommendations and guide future research. British journal of sports medicine, v. 55, n. 8, p. 416-416, 2021.

GONZALEZ, Javier T. et al. Glucose plus fructose ingestion for post-exercise recovery—greater than the sum of its parts?. Nutrients, v. 9, n. 4, p. 344, 2017.

MAUGHAN, Ronald J. et al. IOC consensus statement: dietary supplements and the high-performance athlete. International journal of sport nutrition and exercise metabolism, v. 28, n. 2, p. 104-125, 2018.

MIELGO-AYUSO, Juan et al. Caffeine supplementation and physical performance, muscle damage and perception of fatigue in soccer players: A systematic review. Nutrients, v. 11, n. 2, p. 440, 2019a.

MIELGO-AYUSO, Juan et al. Effects of creatine supplementation on athletic performance in soccer players: a systematic review and meta-analysis. Nutrients, v. 11, n. 4, p. 757, 2019b.

ORMSBEE, Michael J.; BACH, Christopher W.; BAUR, Daniel A. Pre-exercise nutrition: the role of macronutrients, modified starches and supplements on metabolism and endurance performance. Nutrients, v. 6, n. 5, p. 1782-1808, 2014.

STØLEN, Tomas et al. Physiology of soccer. Sports medicine, v. 35, n. 6, p. 501-536, 2005.

TAYLOR, Jeffrey B. et al. Activity demands during multi-directional team sports: a systematic review. Sports Medicine, v. 47, n. 12, p. 2533-2551, 2017.

THOMAS, D. Travis; ERDMAN, Kelly Anne; BURKE, Louise M. American college of sports medicine joint position statement. nutrition and athletic performance. Medicine and science in sports and exercise, v. 48, n. 3, p. 543-568, 2016.

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